sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Não ao aborto, sim no referendo (!?)

Gostaria que alguém me explicasse por que razão todos os partidários da despenalização da interrupção voluntária da gravidez se proclamam contra o aborto.

Pode parecer estranho mas racionalmente não faz nenhum sentido, repito, não faz nenhum sentido que alguém diga:
- Eu sou contra o aborto mas vou votar sim. Sim pela despenalização do aborto.

É que se este tipo de afirmações fosse proferida por meia dúzia de pessoas mais-ou-menos mal informadas e que nunca tivessem dedicado 5 minutos a pensar no assunto, eu até podia compreender. Mas não. O que constato é que são todos, repito, TODOS os partidários do Sim.

Existirá algum outro crime em que alguém diga que mesmo sendo contra a sua prática seria a favor da sua liberalização?

Terá sentido dizer:
- Eu sou contra o homicídio mas sou a favor da sua despenalização (descriminalização ou liberalização).
- Eu sou contra a pedofilia mas sou a favor da sua despenalização (descriminalização ou liberalização).
- Eu sou contra o tráfico de cocaína mas sou a favor da sua despenalização (descriminalização ou liberalização).
- Eu sou contra o aborto a pedido depois das 10 semanas mas sou a favor da sua despenalização (descriminalização ou liberalização).


É bastante comum ouvirmos dizer aos partidários da Vida:
- Eu sou contra o aborto porque sei que existe uma Vida Humana que está em causa, por isso vou votar Não. Voto Não, porque sou contra o aborto.
(Podemos até discordar, mas pelo menos é-se coerente e consequente.)

Agora o inverso nunca se ouve (pelo menos eu nunca vi ninguém defender):
- Eu sou pelo aborto porque sei que não existe uma Vida Humana até às 10 semanas, por isso vou votar Sim. Voto Sim, porque sou pelo aborto sempre que a mãe o desejar até às dez semanas.

O que estamos fartos de ouvir (talvez seja essa a táctica) até à nauseia é:
- Eu sou contra o aborto mas vou votar sim. Sim pela despenalização do aborto porque é uma questão de consciência.

Será que ninguém percebe que se se for favorável a que uma mãe possa matar o seu filho com dez semanas está-se a ser favorável ao aborto? (Não se está a ser favorável ao aborto obrigatório, como é claro!... mas também não é a este tipo de aborto a que alguém se refere quando diz que mesmo sendo contra é favorável à sua legalização.)

Acabamos por conseguir confundir as mentes menos atentas com o facto de se invocar a consciência individual. Mas a consciência individual nunca se pode sobrepor ao direito a viver do outro.

Diga-se, que nem sempre foi assim, em muitas sociedades eram questões de consciência: escravizar ou não, matar ou não matar judeus, bater ou não bater nas mulheres ou dispor da vida dos filhos já nascidos.
Actualmente todas estas liberdades não são toleradas pela lei, pelo simples facto que existe um outro e que esse outro é igual em dignidade e direito a viver. É inaceitável que alguém possa matar outro Ser Humano por uma questão de consciência. Ou poderá?
Se a resposta for não só podemos defender o aborto até às dez semanas se acreditarmos piamente que não existe uma Vida Humana até essa data (ou que algo de novo acontece nessa altura ou que a alma incorpora aí, conceito estranho à nossa esquerda, acho eu).


Portanto:
  1. Ninguém prova que a vida que é «interrompida» não é uma Vida Humana.
  2. Defende-se que deverá ser tratada como se não fosse, ou que essa questão é secundária.
  3. Logo podemos matar!
(Ou melhor, o embrião será tratado como Vida Humana com direito a ser protegido se a mãe assim o entender mas, se ela mudar de ideias até (mas nunca depois de) às dez semanas, ele poderá ser destruído sem qualquer justificação. )

Isto tem cá um lógica! Eu até me arrepio...

Podemos sempre dizer que todas as comparações não são válidas porque um embrião de 10 semanas não é um Ser Humano, mas ninguém o faz. Repito, NINGUÉM diz:
- Eu sou pelo aborto porque sei que não existe uma Vida Humana até às 10 semanas, por isso vou votar Sim. Voto Sim, porque sou pelo aborto sempre que mãe quiser até às dez semanas.

Afinal são TODOS contra o aborto. Mas em que é que ficamos? Por que é que são contra? Será porque reconhecem que existe ali uma Vida Humana?

Das duas uma: ou existe ou não existe.
Se existe, claro que só podem ser contra o aborto, mas como conseguem então defender que abortar é uma questão de consciência individual?
Se não existe uma vida como podem dizer que são contra o aborto (?), quanto muito seriam indiferentes como no caso de se fazer uma cirurgia plástica.

O problema é que sempre que alguém defende a despenalização da interrupção voluntária da gravidez omite ( inocente ou propositadamente) do seu discurso a existência ou não de uma Vida Humana.

O discurso centra-se única e exclusivamente na Mulher grávida e sempre em torno desta! Se alguém mencionar o feto, embrião, bebé ou o outro Ser Humano é logo acusado de estar a desviar o debate ou de fazer chantagem emocional barata.

É o argumento da invisibilidade do feto: se não falarmos nele podemos raciocinar como se não existisse.

É como se se discutisse o holocausto sem se poder mostrar imagens dos campos de concentração, sem se poder mencionar os judeus, e centrar o debate exclusivamente nas condições de miséria em que viviam os alemães antes da guerra, no seu mercado interno deprimido e manipulado onde não se podiam estabelecer e criar riqueza, etc, etc.
Ou como falar da violência doméstica sem se poder mencionar a mulher, isto é, discursar sobre os problemas do marido que é despedido e vive na miséria e que por isso recorre ao álcool e depois não se controla ao chegar a casa e, concluir que todos somos contra a violência domestica, mas (como implicitamente só está em causa o marido) isso é uma questão de consciência, logo, não o devemos prender ou humilhar em praça pública pois ele é uma vítima.


Ainda assim o Não nunca responde na mesma moeda! O Não preocupa-se com as duas vítimas: o filho e a mãe. Por esta ordem e não a inversa, sabendo que ao proteger uma está a ajudar a outra. Criar condições para que a mãe não tenha de pensar em matar o filho que carrega é lutar por um Estado que não abandona os mais fracos à sua sorte. É lutar por uma sociedade melhor e mais justa uma sociedade onde todos têm lugar.

Será um enorme salto civilizacional se este referendo servir, não para dar o direito a todas Mães a livrarem-se do seu filho, mas sim, obrigar o Estado a criar uma sociedade onde a Vida é a causa de todas as Liberdades e não o oposto.
Um Estado mais Livre, mais Justo, mais Fraterno!

É muito estranho que não sejam estas as prioridades.
Ou falhou-me alguma coisa?

4 comentários:

Anónimo disse...

Nem mais, grande Rui. Subscrevo totalmente aquilo que disseste. Parece-me que a questão da "invisibilidade" selectiva, é o problema principal dos argumentos pelo "Sim". De qualquer forma, creio que existe uma "maioria" silenciosa, esclarecida e longe daquela que é a verdadeira hipocrisia dos apoiantes do "Sim", que fará com que o resultado do referendo seja, inequivocamente, uma extensão do resultado obtido em 1998.

Anónimo disse...

Deixo aqui uma questão...
Ser mãe não é uma questão de 9 meses...Ser mãe é para sempre!
Então se é assim, porque é que TODAS as instituições que existem "PRÓ-VIDA", apenas se preocupam em convencer as futuras mães em não abirtar e em levar a sua gravidez para a frente?! Será que essas instituições não se lembram que ser mãe é para toda a vida?!
Sim, porque na minha perspectiva, abortar não deve ser uma coisa que se faça de ânimo leve e a maioria das vezes é por causa de dificuldades financeiras e como tal, porque é que essas instituições não dão apoio financeiro após o nascimento da criança? Porque é que após o nascimento da criança se esquessem que a pessoa existe e aí sim, é MÃE?!

Unknown disse...

Meu caro anónimo:

Engana-se, não só as instituições pró-Vida se preocupam em apoiar quem mais necessita quando está grávida, como existem ainda inúmeras outras organizações que ajudam na educação dos filhos e apoio ás mães.

Quem defendem o Não nunca se esquece que uma mãe continua mãe depois de dar à luz, é precisamente o contrário: quem defende o Sim é que nunca se lembra que a mulher já é mãe antes do nascimento!

Mas já agora deixe-me levantar uma questão: porque é que ninguém se lembra de acusar os defensores do Sim de não terem feito nada para apoiar as mulheres que tanto apregoam defender?

Se de um lado estão os "defensores do feto" e do outro os "defensores das mulheres" é estranho que a coerência só imponha aos primeiros o apoio ás mulheres e aos segundos não. (diga-se de passagem que os primeiros aceitam o desafio enquanto os segundos só os ouvimos nos últimos 8 anos aos berros sempre que existiam julgamentos e mesmo que as as mulheres julgadas tivessem abortado muito depois das 10 ou 12 semanas).

Há de convir que se temos que exigir a alguém que apoie as mulheres grávidas esse alguém são aqueles que estão sempre com a boca cheia da "liberdade da mulher para decidir". Ou pode haver liberdade para decidir se não houver alternativa? Como pode uma mulher ter liberdade de escolha se não houver escolha? se a escolha for continuar na miséria com mais um filho para alimentar ou o aborto? Será que existirá liberdade de escolha?

É curioso que de todas as associações que lidam com mulheres que já abortaram não exista nenhuma que se manifeste pelo Sim.

É curioso, não acha?

FMS disse...

É escusado. Os hedonistas do Sim só entendem a linguagem da força. Vou votar não mas não excluo outras formas de luta.