sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Bioética 2003


Como se sabe, as novas tecnologias médicas e o estudo cada vez mais aprofundado do genoma humano, permitem que já hoje se possam detectar não só defeitos do feto, como também várias características físicas e fisiológicas do ser em gestação. É mais do que certo que em breve sejam previsíveis dados como a fisionomia, desenvolvimento físico atingível, cor dos olhos, doenças de que irá padecer (não só aquelas que hoje são alegadas para justificar o aborto, mas outras como diabetes, reumatismo, doenças cardíacas, acne, etc.), enfim, um sem número de dados com que os potenciais pais, num futuro muito próximo, se irão confrontar.

No caso do aborto passar a ser encarado apenas como um banal acto de livre decisão da mãe, em que outros factores como pressões morais, ideológicas ou religiosas perderão peso face ao efeito de diluição da responsabilidade resultante da sua prática legal e sociologicamente apoiada por uma mentalidade hedonista, não se correrá o risco de criar uma sociedade profundamente eugénica? Não se passará a abortar apenas porque a criança não irá atingir um coeficiente de inteligência que lhe permita vir a ser quadro superior, ou político, ou dirigente de futebol? Ou porque irá sofrer de reumatismo (doença de grandes encargos económicos...)? Ou porque irá ser homossexual ou ter pele escura, ou não ter olhos azuis e cabelos louros? Já hoje em dia, em países como a Índia em que os rapazes são mais valorizados que as raparigas, são efectuados inúmeros abortos apenas por se detectar que o feto é do sexo feminino. Será talvez só o começo.

Muitas vezes é repetido o seguinte slogan: «Eu mando na minha barriga».

Com certeza que manda! O que não quer dizer que mande num ser vivo que lá esteja dentro. A senhora também manda na sua casa e daí não se pode concluir que possa matar alguém que lá esteja dentro. Mesmo que seja um assaltante que lá se tenha introduzido!

Esta confusão é deliberada. As leis anti-aborto não pretendem violar os direitos das mulheres mas tão-somente garantir um direito fundamental dos filhos. Ou será que a lei penal viola os meus direitos por me retirar o de matar o meu semelhante? Os direitos das mulheres não incluem o de matar quem quer que seja – muito menos os filhos.

Todo o arrazoado sobre «dispor do seu próprio corpo» só pretende desfocar a questão do ponto fulcral: a protecção da vida do filho.

Mandar na sua barriga não significa mandar na vida de um filho que porventura lá esteja dentro. Porque nem o filho é a barriga nem a barriga é o filho - tão linear quanto isto

É por isso que o discurso "pró escolha" pode ser perigoso: se para o cidadão comum o feto for algo que nada tem de humano, se o aborto for apenas um direito da mulher a ver-se livre duma excrescência que parasita o seu corpo ("não queremos ser incubadoras"), se for algo que a sociedade aceita como natural e em que não se equaciona estar em jogo uma vida humana, abortar poderá passará a ser, na maioria dos casos, já nem sequer uma situação limite utilizada por motivo de doença, probabilidade de deficiência grave, ou miséria social, mas sim uma espécie de jogo de rifas em que quem não gostar do prémio o deita fora e joga novamente.


E quem fizer um aborto após esse prazo será condenado? Um dos principais argumentos para se alterar a Lei é o facto de ela não ser cumprida. Se a lei for para cumprir, e visto que muitos abortos são efectuados depois, ou muito depois das dez semanas, inúmeras mulheres continuarão a cometer um acto ilegal pelo qual deverão, logicamente, sofrer as consequências. Teremos então, suprema ironia, os auto-proclamados defensores dos "direitos fundamentais das mulheres" a lutar por que se cumpra uma lei que irá fazer com que muitas delas passem a ser condenadas, o que até agora, com a lei "opressora e hipócrita", não acontecia porque ninguém lhe ligava. A não ser que a intenção subjacente ao "sim" seja que quem aborte para além das dez semanas também não seja condenado, o que será manifestamente diferente daquilo que é perguntado aos portugueses...seria interessante obter uma resposta.

Haverá igualdade de direitos quando passa a ser apenas à Mulher que cabe o poder de decidir sobre a procriação da família e, em última análise, da Espécie?

Se, num casal, o marido quiser ter filhos mas a mulher os evitar abortando, o marido terá que aceitar o facto passivamente? O Homem deixa de ter o direito constitucional a ter filhos?

"O direito é da Mulher porque é ela que traz a criança no ventre durante 9 meses". Mas as razões principais que levam à opção pelo aborto não têm a ver com essa fase mas sim com o que acontecerá depois da criança nascer: os problemas económicos, a felicidade da criança, limitações causadas pelo facto de ter (mais) um filho ao seu encargo. Ora, tudo isto se passa "quando o bebé já cá está fora" situação em que o corpo da mulher já não está em causa e em que o pai também será responsável pelo seu filho. Será que ele não terá também uma palavra a dizer?

Claro que há o caso das mães solteiras. Mas não irá a facilitação do aborto desresponsabilizar ainda mais os homens que não queiram assumir a paternidade, uma vez que podem sempre argumentar que havia uma solução é fácil, segura e gratuita? Que peso passará a ter nos tribunais o pedido de uma mãe solteira para que um homem assuma as suas obrigações como pai biológico duma criança, se lhe era facultado o direito gratuito ao aborto?

Se uma pessoa acreditar, em consciência, que o ser humano se inicia na concepção, não deverá, por coerência, ser contra o aborto? Analisemos a seguinte hipótese: Um defensor do "sim" apoiará a morte deliberada de um recém-nascido? Parece-me óbvio que não. E o que foi que mudou? Não é precisamente a partir dessa altura que os problemas sociais e económicos, que a seu ver justificavam a interrupção da gravidez, verdadeiramente vão começar? Por que é que condenação é agora (quase?) generalizada? Será que esse defensor do aborto livre se tornou um radical, ou é a evidência (agora mais consensual) de se estar na presença dum ser humano que torna o acto inaceitável? Com que direito se pode então rotular de radical e intolerante quem intimamente sente que essa mesma condição humana começa antes do acto de nascer? Quem é afinal o intolerante?



Por ultimo, e para que possa servir de reflexão, já que de emenda será difícil, fica este peculiar exemplo em forma de questionário:

Que conselho dariam a uma certa senhora, grávida do quinto filho?

O marido sofre de sífilis; ela, de tuberculose.

O primeiro filho nasceu cego.

O segundo, morreu.

O terceiro nasceu surdo e o quarto é tuberculoso.

Ela está a considerar seriamente abortar a quinta gravidez. Que caminho a aconselharia a tomar com base nos factos apresentados?

...?



...



...Fique então o leitor consciente que se disse "sim" à ideia do aborto, acabara de matar o grande compositor Ludwig van Beethoven.



Texto adaptado de:

http://members.netmadeira.com/lucianocastanheira/

http://www.terravista.pt/enseada/1881/questões.html


1 comentário:

Anónimo disse...

sim sr, viva o ludwig e viva o rui! agora a sério, este teu post está excelente, continua mano :)
susana