quarta-feira, 14 de julho de 2010

Duas navalhas, dois ingleses e algum sentido de humor

Muitas são as ironias da História.

É muito curioso que a expressão latina "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem", tantas vezes usada pela ciência na sua luta por encontrar explicações mais parcimoniosas, tenha sido escrita por um frade franciscano em plena Inglaterra medieval: William de Ockham.

Serve a referida expressão para aconselhar que as variáveis não devem ser multiplicadas além da necessidade, ou posto de outra forma, sendo tudo o resto igual, devemos optar sempre pela solução mais simples. Quando fazemos ciência parece evidente por que devemos proceder assim e não quero, de forma alguma, colocar este bom princípio em causa. Por razões práticas dá muito jeito (perdoem-me a tautologia) que assim seja.

Apesar de extremamente útil, a navalha de Ockham, não é uma panaceia para tudo o que temos pela frente. O que fazer no caso de termos várias explicações igualmente simples? Que navalha devemos usar?

A primeira vez que pensei nisto senti-me sem rede. Nunca nos ensinaram que critério usar quando temos de escolher a melhor solução entre duas que, ceteris paribus, são igualmente parcimoniosas. Aqui, a navalha de Ockham, por mais afiada que seja, nada tem para cortar. Antes de tentarmos encontrar uma solução, façamos um salto de cinco séculos desde a idade média até meados do século XIX.

Em Novembro de 1959 publicava-se a mais fascinante obra de ciência de sempre. Continuo sem perceber como não é de leitura obrigatória em todos os cursos de Biologia. Choca-me encontrar colegas que se consideram biólogos sem nunca terem lido uma só linha da Origem e não me atrevo sequer a perguntar quantos doutorados no nosso querido instituto a leram.

On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life, foi mais que um golpe de génio, foi o resultado do trabalho de um cientista reservado e muito pouco dado a aventuras. Essa é uma das características que mais espanta na personalidade de Darwin, a sua modéstia, quase a roçar a falta de coragem, onde prevalecia uma resistência gigante às mudanças bruscas e, ao mesmo tempo, é nesta mente que germina a teoria da evolução por selecção natural.
Ele coloca a Biologia de pernas para o ar, iluminando um mundo que assim teria uma matriz puramente empírica para o explicar.
É belo ver o Homem pensar sobre o mundo e, sem desculpas fáceis e demasiadas vezes falsas, explicar e compreender o que está fora dele. O Homem pode muitas vezes bastar-se a si próprio.

Muitas vezes nos perguntamos "e se não fosse ele"...

Com certeza que viria outro, Wallace chegou a conclusões quase idênticas de uma forma independente. Apenas o tempo ditaria qual seria o outro a ficar com os créditos. Mas, o espanto não é que pudesse ter sido outro, o espanto é que não tenha sido!
O jovem de Shrewsbury foi sempre um candidato muito improvável. Não corresponde a nenhum dos nossos estereótipos de cientista genial, nem a Einstein, nem a Lineu, nem a Newton e muito menos a Galileu ou Aristóteles. Nada disto, Darwin é o mais modesto e acanhado de todos, um banal cidadão britânico do século XIX. Competente, trabalhador, bem integrado e bem relacionado. Foi chocante que um deles, um entre iguais, estivesse a demonstrar que mais não somos que feitos da mesma massa que todos os outros povos e culturas, temos a mesma origem: somos os mesmos. Foi um vulgar que revolucionou a forma de nos vermos a nós mesmos. Todos somos irmãos e não há povos nem gentes superiores, nem em géneros nem em cores nem em espécies, todos evoluímos em conjunto e foi essa mesma dança que produziu e continua a produzir tantas e tão diversas formas de vida.

Darwin revelou a um amigo em 1954 que publicar a sua Teria da Evolução era "como confessar um crime". Esta expressão seria impensável na boca de qualquer outro revolucionário nas ciências. Darwin é, também ele, um de nós, um entre iguais. Foi um génio, mas bem mais próximo de nós do que dos excêntricos e incompreensíveis vultos da Física, da Matemática, da Química ou de todas as outras artes dos espectáculo.

Pode ser contra-intuitivo, mas torna o mundo muito mais divertido pensar que foi entre burgueses vitorianos que a mais brilhante descrição do mundo vivo surgiu. Muito embora (e por ser) extremamente improvável, Darwin apresentou a solução mais divertida. Imaginar milhões de espécies a partilharem uma ancestralidade comum e conceber que todas essas formas se tenham modificado mutuamente, ao longo de milhares de milhões de anos, pouco a pouco, até termos a maravilha natural que nos rodeia, tem muito mais graça, que crer num mundo criado estático e inviolável.

Darwin observou, compilou e integrou uma montanha de factos para chegar às conclusões que expôs na Origem das Espécies. Já na altura não existia sequer uma igualdade de circunstâncias mas foi também a solução com mais humor que prevaleceu. Se tivermos sempre este princípio em mente, podemos juntar mais uma navalha ao nosso estojo epistemológico dizendo que: em caso de igualdade, devemos escolher a hipótese mais divertida.

Pelo menos, enquanto não provarem o contrário, teremos um mundo com muito mais piada.




5 comentários:

Anónimo disse...

Eu li, mas n precisava de ter lido para ser biologo e competente naquilo que faço...Esta verborreira pseudo-intelectualoide da treta (grafiana ou dioguena) é puramente masturbação intelectual e do ego...É por se pensar assim desta forma tão "magnanime" q por exemplo a conservação da natureza e da biodiversidade está como está em Portugal...Uma cambada de incompetentes q n sabem distinguir um carvalho duma azinheira, e onde ele deve ser plantado, a debater teorias da treta em blogs...Basta veres o ambio...(com colaboração de mta gente verdadeiramente competente lá no meio)

Abraço

Carlos

Unknown disse...

Carlos,

Uma coisa não impede a outra.
Julgo que concordas se disser que fazer a apologia da ignorância não serve para coisa nenhuma.

Agora, é certo que existe muito para fazer e são várias as pessoas que passam a vida a discutir em vez de fazer.
Citando a Ricardo Araújo Pereira: eles falam falam e eu nunca os vejo a fazer nada...

Fazem falta as duas coisas, conhecimento prático e execução por um lado mas também conhecimento e discussão intelectual pura que possa guiar as decisões no campo.

O braço sem a mente, nada sabe, a mente sem o braço, nada pode fazer.

P_Lima disse...

Rui,

sabes que muito aprecio a ideia que aqui expões, embora ache que falhaste em absoluto no exemplo que usaste para a ilustrar. Penso que o Lamarck concordará comigo..

gd abraço

PLima

Anónimo disse...

Concordo...mas com os pés na terra e sem soberania exacerbada, que nos leva a transgredir a razão...Concordo com quase tudo no post...Podia dizer da fitossociologia o q dizes da evolução...Um biologo de campo(nomeadamente de évora) q deixou de ter ecologia aplicada é um biologo "coxo"...mas aqui (apesar de ter alguma razao) estaria a ser arrogante e até posso estar a mentir...
Carlos

Anónimo disse...

No Ano Internacional da Biodiversidade, o Museu Exploratório de Ciências (MC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realiza no dia 12 de agosto, em Campinas, o fórum “Biodiversidade em perspectiva: patrimônio genético, patentes e pirataria”. Afinal, a quem deve pertencer os royalties das descobertas científicas no Brasil e no resto do mundo?
O evento é gratuito e acontece no Auditório do Centro de Convenções da Unicamp (CDC) das 9 às 17 horas. Podem participar pesquisadores, professores, estudantes e demais interessados no assunto. As inscrições devem ser realizadas no site http://www.cori.unicamp.br/foruns/ até o dia 10 de agosto.