domingo, 11 de março de 2007

O Estado-polícia

10.03.2007, Vasco Pulido Valente

Salazar despachava diariamente com o director da PIDE. Caetano não despachava com o director da PIDE/DGS. Durante trinta anos de democracia nenhum primeiro-ministro despachou em pessoa com qualquer chefe de qualquer polícia. Tudo isto irá mudar. Uma lei já anunciada vai pôr a PSP, a GNR, a PJ e o SEF sob a autoridade de um secretário-geral para a Segurança Interna, com o estatuto de secretário de Estado, que despachará directamente com o eng. Sócrates. Como de costume, esta organização foi copiada. Desta vez, do modelo espanhol. Com duas diferenças. Primeira, em Espanha, o "secretário-geral" está subordinado ao ministro do Interior e não ao presidente do Conselho. E, segunda, em Espanha o terrorismo da ETA e a imigração islâmica teoricamente justificam a necessidade de um único centro de comando.
Em Portugal, nenhum perigo imediato exige que as polícias passem a depender de Sócrates. Pior ainda: o SIRP, que superintende e coordena o Serviço de Informações de Segurança (SIS) e o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), dois serviços secretos, também ficará sob a tutela do primeiro-ministro. E a tudo isto, António Costa juntou dois novos meios de fiscalização e vigilância. O bilhete 4 em 1, que reúne o bilhete de identidade, o cartão de contribuinte, o cartão da Segurança Social e o cartão de utente do SNS. E o cartão que reúne a carta de condução, o livrete e o título de propriedade do automóvel.

Com estas medidas, o Governo socialista criou um novo Estado-polícia, que a Assembleia não controla e que não dá ao português comum a menor garantia de privacidade. E, se a privacidade é, como é, o fundamento da liberdade, não lhes concede mais do que uma liberdade condicional e fictícia.
Não se trata aqui do indivíduo Sócrates, que não abusará dos seus poderes. Mas da própria existência desses poderes, que nada impede um sucessor, ou mesmo um ajudante obscuro, de eventualmente desviar para fins perversos. Só que nessa altura será tarde para desfazer a máquina que hoje com tanta inconsciência e sem protesto público se anda a pôr em pé.
Claro que vivemos num mundo perigoso e é preciso coordenar as polícias. Sucede que das várias formas de coordenação o Governo escolheu a pior: a que mais reforça (e compromete) o chefe do Executivo, a que não inclui um droit de regard do Parlamento e a que deixa os portugueses sem defesa perante a prepotência e o arbítrio. O que de resto não espanta. A liberdade nunca foi por aqui muito estimada.


(Eu sei que não é meu hábito transcrever artigos de outros no Conjurado mas esta excepção justifica-o...)

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