segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Por que se rompem as meias

A caminho de um casamento de um bom amigo.
Fato bonito e gravata ainda por escolher, mas como não tenho nenhum par de meias que se apresente tenho de ir às compras.
Comprar meias.

Fica sempre bem contribuir para a economia nacional, e a industria têxtil agradece, o shopping agradece, a lojista agradece, e o amigo… o que mais conta... nem nota.

Mas eu prefiro assim, sinto-me melhor comigo mesmo. Fico mais seguro e confortável, é assim que somos, é isto que nos faz pessoas.

Como dizia um tipo esperto: Só existem duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana, mas quanto ao Universo ainda não tenho bem a certeza.

Fiquei então a pensar... já não vou a um casamento há mais de 5 anos. Por que raio é que as pessoas não se casam mais? Por que têm cada vez menos filhos?
Falta de dinheiro. Isto está mesmo mal. A minha carreira não é nada estável. Não se pode ter filhos num mundo assim.

Resumindo, não temos filhos por que não temos condições para os ter. A culpa não é nossa, é algo externo. Isto está a correr mal e como tal não dá. É isto que ouvimos, nada de novo.

Quanto a mim parece-me que a causa é externa, mas será mesmo por isso que não temos mais filhos? Duvido profundamente.

Como é mais que óbvio, quem responde o que responde não está a mentir. Se me dizem que não têm dinheiro nem condições para ter filhos quem sou eu para duvidar. Agora o interessante não é que isso seja ou não verdade, o interessante é que não é por causa disso que as pessoas não têm filhos.

Este tipo de conversa parece de loucos mas é assim. Mesmo que repitam constantemente que não têm dinheiro para ter filhos e é por isto que não os têm eu duvido muito que tenham razão.

Reparem como é confuso:
Não temos filhos por falta de dinheiro, certo? Certo.
Não estamos a mentir, certo? Certo.
Então temos falta de dinheiro para ter filhos, certo? Errado!

Se temos então imensas pessoas a dizer que não têm filhos por que não têm dinheiro, devemos duvidar delas? Julgo que sim.

A aparente discordância advém de uma confusão semântica, nada mais. Numa discussão basta acordarmos na definição dos termos em causa para chegarmos facilmente às mesmas conclusões. Vejamos.

A resposta está na definição de "filhos" e na expressão "não ter dinheiro".

Basta pensar na nossa média de filhos e compará-la com a que os nossos pais ou avós tinham para se perceber que cada vez temos menos filhos.
Agora façamos um outro exercício, comparemos a esperança média de vida, poder de compra, nível de vida e qualidade de vida dessas mesmas três gerações.
Enquanto o gráfico do número de filhos desce o das condições de vida sobe a pique.
Se compararmos espaço em vez de tempo o resultado deve ser semelhante, nos países com mais condições encontramos as populações que menos filhos têm e o inverso se passa nos países mais pobres. Façamos as análises todas que quisermos inter e intra-países e todas vão dar-nos uma correlação negativa entre condições para ter filhos e número efectivo de filhos. Ou seja quanto mais condições menos filhos. E porquê? Se perguntarmos às pessoas que não têm filhos a resposta é simples: por que não têm condições.

Mas esperem lá um segundo para ver se isto bate certo.
Quem não tem condições, tem filhos, e quem as tem não quer filhos dizendo que a culpa é de não ter condições? Estou certo?

Pois o problema não é das condições. Nunca, em toda a História, vivemos tão bem como agora, com tanta abundância em oportunidades, saúde, dinheiro, e apoios sociais.
Nunca tantos tiveram tantas condições para ter… tão poucos filhos.
Se o problema não é esse então qual é? E por que razão acham alguns que não têm condições para procriar?

Agostinho da Silva dizia algo assim: Temos cada vez menos filhos e isso não se deve ao facto de não termos meios para os criar, o problema é que os nossos filhos não querem ter pais como nós.

E é mesmo isto que se passa. Os nossos filhos não querem ter pais como nós. É aqui que a porca torce o rabo, os "nossos filhos" são aquilo que queremos que eles sejam e estamos a criar filhos que não querem ter pais como nós. Se criamos filhos quase perfeitos é a perfeição que procuramos. É isso que queremos, só queremos filhos que exijam ser perfeitos. E se assim é, claro que nem todo o dinheiro do mundo é suficiente.
Somos nós que projectamos essa necessidade e ambição nos nossos filhos e se só conseguimos conceber filhos perfeitos então todos os que nasçam e não o sejam vão ser profundamente infelizes. É esta ideia de filhos perfeitos que nos impede de os ter. Porque eles não vão querer nascer e não ser perfeitos. Assim, eles não querem, de facto, ter pais como nós.

É realmente um problema de semântica "não tenho condições" depende das expectativas e consequentemente das nossas ambições. A fasquia está muito alta, cada vez mais alta. Só conseguimos começar a pensar em ter filhos depois de termos um emprego fixo e bem remunerado, casa própria e bem localizada, parceiro fixo e com emprego fixo, carro, casa equipada, etc etc etc. Tem tudo de estar perfeito e os nossos filhos só podem existir se tudo for perfeito.

Se é verdade que as condições para ter filhos nunca foram tão boas também é verdade que o sistema que as criou só o conseguiu por ter gerado a ilusão que mais é melhor.
É esta a chave estamos todos convencidos que mais é melhor.
Foram as expectativas e ambições causadoras das nossas prósperas sociedades capitalistas que causaram este decréscimo na nossa fecundidade. Temos prosperidade e abundância pelas mesma razões que não temos muitos filhos para se gozarem disto tudo. As condições aumentaram e muito, mais do que nunca, mas as expectativas aumentaram ainda mais, por isso nunca temos o suficiente. A causa é mais externa que interna o Mundo é assim, exigente. Mais exigente do que as nossas vidas.
Não sei se é bom ou mau mas acho que vou levar meias rotas ao casamento.

4 comentários:

Anónimo disse...

Finalmente percebi a frase do Agostinho da Silva ;)

Unknown disse...

Caro(a) anónimo(a):

Obrigado pelo seu comentário mas não fique muito descansado, já que, eu próprio não tenho muita certeza de a ter percebido...

Anónimo disse...

Em relação às meias rotas nem reparei ;), em relação ao facto da sociedade procriar cada vez menos, tens toda a razão. Os meus avós, camponeses, criaram 8 filhos, com o mínimo de condições. Hoje, com um nível de qualidade bem superior é impensável ter mais que um filho, ou até um filho só. O problema somos nós, sem dúvida. Mas será difícil mudar estas novas mentalidades e aí o governo tem a sua cota parte de culpa, pois existem cada vez menos incentivos fiscais à maternidade. Comigo, lementavelmente não vão poder contar para aumentar a natalidade portuguesa, mas apoio incondicionalmente todo e qualquer incentivo à natalidade em Portugal.

Unknown disse...

Pois. Eu não ponho as culpa em cima só do governo... aliás nem sei se alguém tem culpa, ou como se pode contornar esta questão.

Talvez seja uma fase transitória na humanidade ... não tenho certezas... no final da segunda grande guerra houve um baby boom. Pode ser que estejamos em guerra connosco próprios e um outro boom se avizinhe, ou pode ser que estejamos condenados a ser substituídos por fanáticos religiosos que se importam pouco com as condições de vida e mais com os mandamentos divinos.
Não sei, mas havemos de ver.